Tudo vem a seu tempo
Dissertações Espíritas
COMUNICAÇÃO COLETIVA

(Sociedade de Paris, 1o de novembro de 1866 – Médium: Sr. Bertrand)

Como de hábito, estando a Sociedade reunida em 1o de novembro para a comemoração dos mortos, foram recebidas muitas comunicações, entre as quais sobretudo uma se distinguia por sua feitura completamente nova, e que consiste numa série de pensamentos avulsos, cada um assinado por um nome diferente,que se encadeiam e se completam uns pelos outros. Eis esta comunicação:

Meus amigos, quantos Espíritos em torno de vós, que gostariam de comunicar-se e dizer o quanto vos amam! E como seríeis felizes se o nome de todos os que vos são caros fosse pronunciado à mesa dos médiuns! Que felicidade! que alegria para cada um de vós, se vosso pai, vossa mãe, vosso irmão, vossa irmã,vossos filhos e vossos amigos viessem falar convosco! Mas compreendeis que é impossível sejais todos satisfeitos: o número de médiuns não é suficiente. Mas o que não é impossível é que um Espírito, em nome de todos os vossos parentes e amigos, venha dizer-vos: Obrigado por vossa boa lembrança e por vossas fervorosas preces; coragem! tende esperança de que um dia, depois da vossa libertação, viremos todos vos estender a mão. Ficai certos de que o que vos ensina o Espiritismo é o eco das leis do Todo-Poderoso; pelo amor tornai-vos todos irmãos, e aliviareis o fardo pesado que carregais.

Agora, caros amigos, todos os vossos Espíritos protetores virão trazer-vos o seu pensamento. Tu, médium, escuta e deixa teu lápis seguir suas idéias.

A Medicina faz o que fazem os lagostins espantados.

Dr. Demeure

Porque o magnetismo progride e, progredindo, esmaga a medicina atual, para a substituir proximamente.

Mesmer

A guerra é um duelo que só cessará quando os combatentes tiverem forças iguais.

Napoleão

Forças iguais material e moralmente.

General Bertrand

A igualdade moral reinará quando o orgulho for destituído.

General Brune

As revoluções são abusos que destroem outros abusos.

Luís XVI

Mas esses abusos fazem nascer a liberdade.

(Sem nome)

Para serem iguais é preciso que sejam irmãos. Sem fraternidade, nenhuma igualdade e nenhuma liberdade.

Lafayette

A Ciência é o progresso da inteligência.

Newton

Mas o que lhe é preferível é o progresso moral.

Jean Reynaud

A Ciência ficará estacionária até que a moral a tenha atingido.

François Arago

Para desenvolver a moral é preciso, antes, extirpar o vício.

Béranger

Para extirpar o vício é preciso desmascará-lo.

Eugène Sue

É o que todos os Espíritos fortes e superiores procuram fazer.

François Arago

Três coisas devem progredir: a música, a poesia, a pintura. A música transporta a alma ferindo o ouvido.

Meyerbeer

A poesia transporta a alma abrindo o coração.

Casimir Delavigne

A pintura transporta a alma afagando os olhos.

Flandrin

Portanto a poesia, a música e a pintura são irmãs e se dão as mãos; uma para adoçar o coração, a outra para abrandar os costumes e a última para abrir a alma; as três para vos elevar ao Criador.

Alfred de Musset

Mas nada, nada deve progredir mais momentaneamente do que a filosofia; ela deve dar um passo imenso, deixando estacionar a Ciência e as artes, mas para as elevar tão alto, quando for tempo, porque essa elevação seria muito súbita para vós hoje.

Em nome de todos,

São Luís

No dia 6 de dezembro o Sr. Bertrand recebeu, no grupo do Sr. Desliens, uma comunicação do mesmo gênero, que, de certo modo, é continuação da precedente:

O amor é uma lira cujas vibrações são acordes divinos.

Heloísa

O amor tem três cordas em sua lira: a emanação divina,a poesia e o canto; se faltar uma delas, os acordes serão imperfeitos.

Abelardo

O amor verdadeiro é harmonioso; suas harmonias inebriam o coração, elevando a alma. A paixão afoga os acordes, rebaixando a alma.

Bernardin de Saint-Pierre

Era o amor que Diógenes buscava, procurando um homem... que veio alguns séculos mais tarde, e que o ódio, o orgulho e a hipocrisia crucificaram.

Sócrates

Os sábios da Grécia por vezes o foram mais nos escritos e nas palavras que em sua pessoa.

Platão

Ser sábio é amar; busquemos, pois, o amor pelo caminho da sabedoria.

Fénelon

Não sabeis ser sábios se não souberdes vos elevar acima da maldade dos homens.

Voltaire

Sábio é aquele que não acredita sê-lo.

Corneille

Quem se julga pequeno é grande; quem se julga grande é pequeno.

Lafontaine

O sábio julga-se ignorante e quem se julga sábio é ignorante.

Esopo

A humildade ainda se crê orgulhosa e quem se crê humilde não o é.

Racine

Não confundais com os humildes os que dizem, por falsa modéstia, ou por interesse, o contrário do que são. Erraríeis. No caso a verdade silencia.

Bonnefond

O gênio se possui por inspiração e não se adquire; Deus quer que as maiores coisas sejam descobertas ou inventadas por seres sem instrução, a fim de paralisar o orgulho, tornando o homem solidário do homem.

François Arago

Só tratam de loucos aqueles cujas idéias não são chanceladas pela autoridade da Ciência; é assim que os que julgam tudo saber, rejeitam os pensamentos de gênio dos que nada sabem.

Béranger

A crítica é o estimulante do estudo, mas é a paralisação do gênio.

Molière

A ciência aprendida não passa de um esboço da ciência inata; não se torna inteligência senão na nova encarnação.

J.-J. Rousseau

A encarnação é o sono da alma; as peripécias da vida são os seus sonhos.

Balzac

Às vezes a vida é horroroso pesadelo para o Espírito e muitas vezes custa a terminar.

La Rochefoucault

Aí está sua prova; se resiste, dá um passo para o progresso; senão entrava o caminho que deve conduzir ao porto.

Martin

Ao despertar da alma que saiu vitoriosa das lutas terrenas, o Espírito está maior e mais elevado; se sucumbir, encontra-se tal qual estava.

Pascal

É renegar o progresso querer que a língua seja emblema da imutabilidade de uma doutrina religiosa; além disso, é forçar o homem a orar mais com os lábios que com o coração.

Descartes

A imutabilidade não reside na forma das palavras, mas sobretudo no verbo do pensamento.

Lamennais

Jesus dizia aos seus apóstolos que fossem pregar o Evangelho em sua língua, e que todos os povos os compreenderiam.

Lacordaire

A fé desinteressada faz milagres.

Boileau

A doutrina de Jesus não se sente nem se compreende senão pelo coração; assim, seja qual for a maneira por que a falam, ela é sempre o amor e a caridade.

Bossuet

As preces ditas ou escritas que não se compreende,deixam vagar o pensamento, permitindo que os olhos se distraiam pelo fausto das cerimônias.

Massillon

Tudo mudará, sem, contudo, voltar à simplicidade de outrora, o que seria a negação do progresso. As coisas se farão sem fausto e sem orgulho.

Sibour

O amor triunfará e, com ele, virão a sabedoria, a caridade, a prudência, a força, a Ciência, a humildade, a calma, a justiça, o gênio, a tolerância, o entusiasmo e a glória majestosa e divina esmagará, por seu esplendor, o orgulho, a inveja, a hipocrisia, a maldade e o ciúme, que arrastam no seu séqüito a preguiça, a gula e a luxúria.

Eugène Sue

O amor reinará; e, para que não tarde, é preciso, como Dionísio, tomar com uma mão o facho do Espiritismo e mostrar aos humanos os vermes roedores que formam a chaga em sua alma.

São Luís

Observação – Este gênero de comunicação levanta uma questão importante. Como os fluidos de tão grande número de Espíritos podem assimilar-se quase instantaneamente com o fluido do médium, para lhe transmitir seu pensamento, quando muitas vezes essa assimilação é difícil da parte de um único Espírito, e geralmente não se estabelece senão com o tempo?

O guia espiritual do médium parece tê-lo previsto,porque dois dias depois lhe deu, espontaneamente, a seguinte explicação:

“A comunicação que recebestes no dia de Todos os Santos, assim como a última, que é o seu complemento, embora haja nomes repetidos, foram obtidas da seguinte maneira: como sou teu Espírito protetor, meu fluido é similar ao teu. Coloquei-me acima de ti, transmitindo-te o mais exatamente possível os pensamentos e os nomes dos Espíritos que desejavam manifestarse. Eles formaram em torno de mim uma assembléia cujos membros ditavam, alternadamente, os pensamentos que eu te transmitia. Isto foi espontâneo e o que naquele dia tornava as comunicações mais fáceis é que os Espíritos presentes tinham saturado o apartamento com seus fluidos.

“Quando um Espírito se comunica a um médium, fá-lo com tanto mais facilidade quanto melhor estabelecidas entre eles as relações fluídicas, sem o que o Espírito é obrigado, para comunicar seu fluido ao médium, a estabelecer uma espécie de corrente magnética, que alcança o cérebro deste último; e se o Espírito, em razão de sua inferioridade, ou por qualquer outra causa, não pode estabelecer esta corrente, recorre à assistência do guia do médium, e as relações se estabelecem como acabo de indicar.”

Slener

Uma outra pergunta é esta: No número destes Espíritos não há alguns encarnados neste e em outros mundos e, neste caso, como podem comunicar-se? Eis a resposta que foi dada:

“Os Espíritos de um certo grau de adiantamento têm uma irradiação que lhes permite comunicar-se simultaneamente em vários pontos. Nalguns, o estado de encarnação não amortece essa radiação de maneira bastante completa para os impedir de se manifestarem, mesmo em vigília. Quanto mais avançado o Espírito, tanto mais fracos são os laços que o unem à matéria do corpo; está num estado de quase constante desprendimento e se pode dizer que está onde está o seu pensamento.”

Um Espírito

MANGIN, O CHARLATÃO

Todo o mundo conheceu esse vendedor de lápis que,montado num carro ricamente decorado, com um capacete brilhante e uma roupa extravagante, por muitos anos foi uma das celebridades das ruas de Paris. Não era um charlatão vulgar e os que o conheceram pessoalmente eram concordes em lhe reconhecer uma inteligência pouco comum, uma certa elevação de pensamento e qualidades morais acima de sua profissão nômade. Morreu o ano passado e, desde então, comunicou-se várias vezes,espontaneamente, com um dos nossos médiuns. Conforme o caráter que lhe reconheciam, não será de admirar o verniz filosófico que se encontra em suas comunicações.

(Paris, 20 de dezembro de 1866 – Grupo do Sr. Desliens – Médium: Sr. Bertrand)

O LÁPIS

O lápis é a palavra do pensamento. Sem o lápis o pensamento fica mudo e incompreensível para os vossos sentidos grosseiros. O lápis é a alma ofensiva e defensiva do pensamento; é a mão que fala e se defende.

O lápis!... e sobretudo o lápis Mangin!... Oh! perdão... eis que me torno egoísta!... Mas por que eu não poderia, como outrora, elogiar os meus lápis? Não são bons?... Tendes de que vos queixar? Ah! se eu ainda estivesse em meu veículo francês, com meu costume romano... acreditar-me-íeis... Eu sabia fazer tão bem minha propaganda e o pobre bobo julgava branco o que era preto,simplesmente porque Mangin, o célebre charlatão, o havia dito!... Eu disse charlatão... Não, é preciso dizer propagandista... Vamos! charlatães, desatai os cordões de vossa bolsa; comprai esses soberbos lápis, mais negros que a tinta e duros como pedra... Acorrei, acorrei: a venda vai terminar!... Ah! o que foi mesmo que eu disse?... Palavra de honra! creio que me engano de papel e que acabei muito mal, depois de ter começado bem...

Todos vós, munidos de lápis, sentados em redor desta mesa, ide dizer e provai aos jornalistas orgulhosos que Mangin não está morto. Ide dizer aos que esqueceram minha mercadoria,porque eu não estava mais lá, para os fazer acreditar em suas admiráveis qualidades; ide dizer a todo o mundo que ainda vivo e que, se morri, foi para viver melhor...

Ah! senhores jornalistas, zombáveis de mim e, contudo,se em vez de me considerar como um charlatão a roubar o dinheiro do povo, me tivésseis estudo mais atentamente e filosoficamente,teríeis reconhecido um ser com reminiscências de seu passado. Teríeis compreendido o porquê de meu gosto por este costume de guerreiro romano, o porquê deste amor às arengas em praça pública. Então, sem dúvida, teríeis dito que eu tinha sido soldado ou general romano e não vos teríeis enganado.

Vamos! vamos! então comprai lápis e usai-os; mas servi-vos deles utilmente, não como eu para perorar sem motivo, mas para propagar esta bela doutrina que muitos dentre vós não seguis senão de muito longe.

Armai-vos, pois, de vossos lápis e abri uma larga estrada neste mundo de incredulidade. Fazei tocar com o dedo a todos estes São-Tomés incrédulos as sublimes verdades do Espiritismo, que um dia farão que todos os homens sejam irmãos.

Mangin

(Grupo do Sr. Delanne – 14 de janeiro de 1867 – Médium: Sr. Bertrand)

O PAPEL

Falei do lápis e do charlatanismo, mas ainda não falei do papel. Sem dúvida é porque me reservava fazê-lo esta noite.

Ah! como eu gostaria de ser papel! não quando ele se avilta a fazer o mal, mas, ao contrário, quando cumpre seu verdadeiro papel, que é fazer o bem! Com efeito, o papel é o instrumento que, juntamente com o lápis, semeia aqui e ali nobres pensamentos do espírito. O papel é o livro aberto onde cada um pode colher com o olhar os conselhos úteis à sua viagem terrestre!...

Ah! como eu gostaria de ser papel, a fim de cumprir com ele o papel de moralizador e de instrutor, dando a cada um o encorajamento necessário para suportar com firmeza os males que,tantas vezes, são causas de vergonhosas fraquezas!... Ah! se eu fosse papel aboliria todas as leis egoístas e tirânicas, para não deixar irradiar senão as que proclamam a igualdade. Eu só falaria de amor e de caridade. Queria que todos fossem humildes e bons, que o mau se tornasse melhor, que o orgulhoso se tornasse humilde, que o pobre se tornasse rico, enfim,
que a igualdade surgisse e, em todas as bocas, fosse como a expressão da verdade e não a esperança de ocultar o egoísmo e a tirania, que dominam o coração.

Se eu fosse papel, queria ser branco para a inocência, e verde para quem não tem esperança de um alívio para seus males. Queria ser ouro nas mãos do pobre, felicidade nas mãos do aflito, bálsamo nas do doente. Queria ser o perdão de todas as ofensas. Não condenaria, não maldiria, não lançaria anátemas; não criticaria com malevolência; nada diria que pudesse prejudicar a alguém. Enfim, faria o que fazeis: apenas ensinar o bem e falar desta bela doutrina que vos reúne a todos e sob todas as formas; professaria sempre esta sublime máxima: Amai-vos uns aos outros.

Aquele que gostaria de voltar à Terra, não charlatão,não para vender apenas lápis, mas para a isto juntar a venda de papel e que diria a todos: o lápis não pode ser útil sem o papel e o papel não pode dispensar o lápis.

Mangin

A SOLIDARIEDADE

(Paris, 26 de novembro de 1866 – Médium: Sr. Sabb...)

Glória a Deus e paz aos homens de boa vontade!

O estudo do Espiritismo não deve ser vão. Para certos homens levianos, é uma diversão; para os homens sérios, deve ser sério.

Antes de tudo refleti numa coisa. Não estais na Terra para aí viver à maneira dos animais, para vegetar à maneira de gramíneas ou de árvores. As gramíneas e árvores têm a vida orgânica, mas não têm a vida inteligente, como os animais não têm a vida moral. Tudo vive, tudo respira em a Natureza, mas só o homem sente e se sente.

Como são lamentáveis e insensatos aqueles que se desprezam a ponto de se compararem a um pé de erva ou a um elefante! Não confundamos os gêneros nem as espécies. Não são grandes filósofos e grandes naturalistas que, por exemplo, vêem no Espiritismo uma nova edição da metempsicose e, sobretudo, de uma metempsicose absurda. A metempsicose não é outra coisa senão o sonho de um homem de imaginação. Um animal, um vegetal produz o seu congênere, nada mais, nada menos. Que isto seja dito para impedir velhas idéias falsas de serem novamente acreditadas, à sombra do Espiritismo.

Homem, sede homem; sabei de onde vindes e para onde ides. Sois o filho amado dAquele que tudo fez e vos deu um fim, um destino que deveis realizar sem o conhecer absolutamente. Éreis necessário aos seus desígnios, à sua glória, à sua própria felicidade? Questões inúteis, porque insolúveis. Vós sois; sede reconhecidos por isto; mas ser não é tudo; é preciso ser segundo as leis do Criador, que são as vossas próprias leis. Lançado na existência, sois ao mesmo tempo causa e efeito. Ao menos quanto ao presente, não podeis determinar o vosso papel, nem como causa, nem como efeito, mas podeis seguir as vossas leis. Ora, a principal é esta: O homem não é um ser isolado, é um ser coletivo. O homem é solidário do homem. É em vão que procura o complemento de seu ser, isto é, a felicidade em si mesmo ou no que o cerca isoladamente; não pode encontrá-lo senão no homem ou na Humanidade. Então nada fazeis para ser pessoalmente feliz, tanto quanto a infelicidade de um membro da Humanidade, de uma parte de vós mesmo, poderá vos afligir.

Mas, direis, é a moral que ensinais. Ora, a moral é um velho lugar-comum. Olhai em torno de vós: que há de mais ordinário, de mais comum que a sucessão periódica do dia e da noite, que a necessidade de vos alimentardes e de vos vestirdes? É para isto que tendem todos os vossos cuidados, todos os vossos esforços. E é necessário, pois assim o exige a parte material do vosso ser. Mas a vossa natureza não é dupla, e não sois mais espírito do que corpo? Como, pois, vos é mais difícil ouvir lembrar as leis morais do que as leis físicas, que aplicais a todo instante? Se fôsseis menos preocupados e menos distraídos essa repetição não seria tão necessária.

Não nos afastemos de nosso assunto. Bem compreendido, o Espiritismo é, para a vida da alma, o que o trabalho material é para a vida do corpo. Ocupai-vos dele com este objetivo e ficai certos de que quando tiverdes feito, para o vosso melhoramento moral, a metade do que fazeis para melhorar a vossa existência material, tereis feito a Humanidade dar um grande passo.

Um Espírito

TUDO VEM A SEU TEMPO

(Odessa, Grupo Familiar, 1866 – Médium: Srta. M...)

Pergunta – Lendo as experiências magnéticas no Vérité de 1866, estava maravilhado e pensava intimamente que esta força tão admirável talvez pudesse ser a causa de todas as maravilhas, de todas as belezas, incompreensíveis para nós, dos planetas superiores, e cuja descrição nos dão os Espíritos. Peço aos Espíritos bons que me esclareçam a respeito.

Resposta – Pobres homens! A avidez de saber, a devoradora impaciência de ler o livro da Criação, vos transtorna a cabeça e deslumbra os vossos olhos habituados à escuridão,quando caem sobre algumas passagens que o vosso espírito, ainda escravo da matéria, não é capaz de compreender. Mas tende paciência, os tempos são chegados. O grande arquiteto já começa a desenrolar diante dos vossos olhos o plano do edifício do Universo, já levanta uma ponta do véu que vos oculta a verdade, e um raio de luz vos ilumina. Contentai-vos com essas premissas; habituai os vossos olhos à doce claridade da aurora, até que possam suportar o esplendor do Sol em todo o seu vigor.

Agradecei ao Todo-Poderoso, cuja bondade infinita poupa a vossa vista fraca, erguendo gradualmente o véu que a cobre. Se o levantasse de uma vez, ficaríeis deslumbrados e nada veríeis; recairíeis na dúvida, na confusão, na ignorância da qual apenas saís. Já vos foi dito que tudo vem a seu tempo: não o antecipeis por vossa grande avidez de tudo saber. Deixai ao Senhor a escolha do método que julgue mais conveniente para vos instruir. Tendes diante de vós uma obra sublime: “A Natureza, sua essência, suas forças.” Ela começa pelo abecê. Aprendei primeiro a soletrar, a compreender as primeiras páginas; progredi com paciência e perseverança e chegareis ao fim, ao passo que, saltando páginas e capítulos, o conjunto vos parece incompreensível. Aliás, não está nos desígnios do Todo-Poderoso que o homem saiba tudo. Conformai-vos, pois, com a sua vontade: ela tem por objetivo o vosso bem.

Lede no grande livro da Natureza; instruí-vos,esclarecei o vosso espírito, contentai-vos em saber o que Deus julga a propósito vos ensinar durante vossa passagem na Terra; não tereis tempo de chegar à ultima página e não a lereis senão quando estiverdes desligados da matéria, quando vossos sentidos espiritualizados vos permitirem compreendê-lo.

Sim, meus amigos, aprendei e instrui-vos e, antes de tudo, progredi em moralidade pelo amor do próximo, pela caridade, pela fé: é o essencial, é o passaporte à vista do qual as portas do santuário infinito vos são abertas.

Humboldt

RESPEITO DEVIDO ÀS CRENÇAS PASSADAS

(Paris, Grupo Delanne, 4 de fevereiro de 1867 – Médium: Sr. Morin)

A fé cega é o pior de todos os princípios! Crer com fervor num dogma qualquer, quando a sã razão se recusa a aceitálo como uma verdade, é fazer ato de nulidade e privar-se voluntariamente do mais belo de todos os dons que nos concedeu o Criador; é renunciar à liberdade de julgar, ao livre-arbítrio que deve presidir a todas as coisas na medida da justiça e da razão.

Geralmente os homens são negligentes e não crêem numa religião senão por desencargo de consciência e para não rejeitar inteiramente as boas e doces preces que embalaram a sua juventude e que sua mãe lhes ensinou ao pé do fogo, quando a noite trazia consigo a hora do sono. Mas se esta lembrança por vezes se apresenta ao seu espírito, é, no mais das vezes, com um sentimento de pesar que eles fazem um retorno a esse passado,onde as preocupações da idade madura ainda estavam mergulhadas na noite do futuro.

Sim, todo homem tem saudade desta idade despreocupada e pouquíssimos podem pensar em seus jovens anos!... Mas, que deles resta um instante depois?... – Nada!...

Comecei dizendo que a fé cega era perniciosa; mas nem sempre se deve rejeitar como essencialmente mau tudo quanto parece manchado de abuso, composto de erros e, sobretudo, inventado à vontade, para a glória dos orgulhosos e benefício dos interessados.

Espíritas, deveis saber melhor que ninguém que nada se realiza sem a vontade do Senhor supremo; cabe a vós refletir antes de formular o vosso julgamento. Os homens são vossos irmãos encarnados e é possível que numerosos trabalhos dos tempos antigos sejam obras vossas, realizadas numa existência anterior. Os espíritas devem, antes de tudo, ser lógicos com seu ensino e não atirar pedra às instituições e às crenças de outros tempos, só porque são de outra época. A sociedade atual precisou, para ser o que é, que Deus lhe concedesse, pouco a pouco, a luz e o saber.

Não vos cabe, pois, julgar se os meios empregados por ele eram bons ou maus. Não aceiteis senão o que vos pareça racional e lógico; mas não vos esqueçais de que as coisas velhas tiveram a sua juventude e que o que ensinais hoje se tornará velho por sua vez. Respeito, pois, à velhice! Os velhos são vossos pais, como as coisas velhas foram precursoras das coisas novas. Nada envelhece, e se faltais a esse princípio por tudo o que é venerável, faltais ao vosso dever, mentis à doutrina que professais.

As velhas crenças elaboraram a renovação que começa a realizar-se!... Todas, conquanto não fossem exclusivamente materiais, possuíam uma centelha da verdade. Lamentai os abusos que se introduziram no ensino filosófico, mas perdoai os erros de outra época, se, por vossa vez, quiserdes ser desculpados pelos vossos, ulteriormente. Não deis vossa fé ao que vos parece mau, mas não creiais também que tudo quanto hoje vos é ensinado seja expressão da verdade absoluta. Crede que em cada época Deus alarga os horizontes dos conhecimentos, em razão do desenvolvimento intelectual da Humanidade.

Lacordaire

A COMÉDIA HUMANA

(Paris, Grupo Desliens, 29 de novembro de 1866 – Médium: Sr. Desliens)

A vida do Espírito encarnado é como um romance, ou antes, como uma peça teatral, da qual cada dia se percorre uma folha contendo uma cena. O autor é o homem; as personagens são as paixões, os vícios e as virtudes, a matéria e a inteligência, disputando a posse do herói, que é o Espírito. O público é o mundo em geral durante a encarnação, os Espíritos na erraticidade, e o censor que examina a peça para a julgar em última instância e proferir uma censura ou um louvor é Deus.

Fazei, pois, de modo que sejais aplaudido o maior número de vezes possível e que só raramente cheguem aos vossos ouvidos o barulho desagradável dos assobios. Que a intriga seja sempre simples, e não busqueis interesse senão nas situações naturais, que possam servir para fazer triunfar a virtude,desenvolver a inteligência e moralizar o público.

Durante a execução da peça, a cabala posta em movimento pela inveja, pode tentar criticar as melhores passagens e só incensar as que são medíocres ou más. Fechai os ouvidos a essas bajulações e lembrai-vos de que a posteridade vos apreciará no vosso justo valor! Deixareis um nome obscuro ou ilustre, manchado de vergonha ou coberto de glória, conforme o mundo; mas, quando a peça estiver terminada e a cortina, caída sobre a última cena, vos puser em presença do regente universal, do diretor infinitamente poderoso do teatro onde se passa a comédia humana, não haverá bajuladores, nem cortesãos, nem invejosos, nem ciumentos: estareis sós com o juiz supremo, imparcial, eqüitativo e justo.

Que a vossa obra seja séria e moralizadora, porque é a única que tem algum peso na balança do Todo-Poderoso.

É preciso que cada um dê à sociedade ao menos o que dela recebe. Aquele que, tendo recebido a assistência corporal e espiritual, que lhe permite viver, se vai sem ao menos restituir o que gastou, é um ladrão, porque desperdiçou uma parte do capital inteligente e nada produziu.

Nem todo o mundo pode ser homem de gênio, mas todos podem e devem ser honestos, bons cidadãos, e devolver à sociedade o que a sociedade lhes emprestou.

Para que o mundo esteja em progresso, é preciso que cada um deixe uma lembrança útil de sua personalidade, uma cena a mais nesse número infinito de cenas úteis que os membros da Humanidade deixaram, desde que a vossa Terra serve de lugar de habitação dos Espíritos.

Fazei, pois, que leiam com interesse cada uma das folhas de vosso romance, e que não o percorram apenas com o olhar, para o fechar com enfado, depois de o ter lido pela metade.

Eugène Sue

R.E. , março de 1867, p. 119